Verdade, amor e justiça


Não é fácil amadurecer em tempos fluidos. Porque tudo parece se diluir: os valores, as relações, os objetos, o tempo. Isso significa que aquelas âncoras que sustentavam o barco da vida não se encontram firmes no fundo do mar. A fluidez das horas impacta o modo de viver, de sentir a realidade e de concebê-la. O amor se desvaloriza, a justiça se afunda nos preferencialismos e a verdade parece ter mil faces. Os valores, na bolsa econômica da contemporaneidade, caem como o real diante do dólar. E cada um parece se perder na liquidez da existência.
O amor, por exemplo, parece se perder na fluidez da sociedade. Quantas vezes dizemos ou escrevemos a frase “eu te amo” sem qualquer compromisso com o valor de amar. Trata-se de uma retórica que jamais transforma amor em atitude. O amor se esvai nas palavras, escorregando pelos lábios de forma pueril e leviana. A justiça, esse grande valor fundamentado no equilíbrio e na busca pelo bem comum, torna-se baluarte de preferências pessoais. As leis, essa suprema forma de materialização da justiça, são interpretadas ao bel prazer pelos juízes ou deputados que as produz, esses que se encontram revestidos pela autoridade de as interpretar. A verdade, que sempre foi um valor absoluto na tradição do pensamento ocidental, perde-se nas opiniões isoladas no vasto repertório das ciências contemporâneas. Os gregos, por exemplo, acreditavam que a verdade coincidia com o “ser das coisas”. Esse “ser” era fixo, imóvel e imortal. Mesmo os mais materialistas, como Aristóteles, não abriram mão de tornar a verdade uma busca universal – ainda que admitida enquanto aquilo que coincidia com a ordem do cosmos ou com os fatos naturais.
No período Medieval, a verdade se relacionava com Deus que se manifestava através de sua criação, de sua palavra de do seu filho. Cristo havia revelado de forma plena, na terra, a vontade divina. O Renascimento, nascido no século XVII, visava retomar os valores gregos do equilíbrio e da ordem do Cosmo, fazendo com que a verdade continuasse a ser buscada através dos conhecimentos de tipo universal e absoluto. Mesmo os Modernos, sejam racionalistas como Descartes, ou empiristas como John Locke, Jean-Jacques Rousseau ou Thomas Hobbes admitiam a verdade de um ponto de vista material ou natural. Somente no século XX é iniciada uma avalanche de descostrutivismo, iniciado com Nietsche e tomado corpo através de Freud, Marx Foucault, Lacan e tantos outros nomes que destruíram, teórica e praticamente, a possibilidade de se pensar a verdade como algo absoluto e universal.
Não obstante os tempos nebulosos, é necessário, diante da fragmentação e da fluidez da contemporaneidade, três atitudes fundamentais: a) não nos prostituirmos diante das seduções da cultura contemporânea que impõe uma mentalidade de tipo instantânea e à la carte, no estilo carpe diem. Trata-se de resistir à ditadura do momento que impede o retorno ao passado como fonte inspiradora e de enriquecimento cultural ou cognitivo, e que impossibilita a projeção do futuro como utopia viável; b) transformarmos o mundo a partir do trabalho e dos esforços necessários para educar os mais jovens, apoiar movimentos sociais, ambientais e religiosos que preservam a memória e a importância do amor, da verdade e da justiça como valores fundamentais para a vida humana; c) internalizar esses valores, praticando-os no âmbito da vida familiar, do ciclo de amigos e dos ambientes nos quais nos fazemos presentes, a fim de que não se perca a esperança de construir um mundo melhor e de transformar as relações, com a ajuda divina, em vista de um verdadeiro desenvolvimento humano.