sabores Da vida


Muito se sabe e se tem. Não faltam ciências e conhecimentos. Também não faltam produtos no mercado que satisfaçam as mais diversas necessidades de consumo. Do saber, do fazer, do prazer mercadológico... estamos fartos.
Fernando Pessoa, como todo poeta herético, alucinava-se nas horas vagas afirmando que o grande mistério é haver quem pense em mistério. Não há mistério, há vida pra ser vivida intensa e amorosamente.
O pensamento é aquela faculdade humana que, além de definir o homem, justifica as coisas. Pensamos sempre para ou sobre alguma coisa. Ninguém pensa coisas inúteis ou vagas. Para muitos pensamentos, há inúmeras finalidades. Isso mostra que pensamento e ação estão de mãos dadas, embora haja quem fique só no plano teórico e não se importe com ações concretas.
Em todo caso, há sempre pensamentos/saberes/fazeres em excesso. Hoje tem ciência pra tudo: até para investigar e tecer um conhecimento técnico-prático sobre a cárie Placa que irrompe os dentes no caminho da podrificação. E para cada ciência, há profissionais, há atividades, há afazeres. Coisas do mundo da seriedade. Crianças não aceitam ser cientistas ou operários (exceto nas brincadeiras que não são nada sérias...) exatamente porque os mundos do adulto de os paraísos das crianças são adversários. Ser criança é ser livre das amarras epistemológicas e técnicas.
Já que temos tantas ações e tantos conhecimentos... proponho que tenhamos agora sentimentos. Sentir é um ato pessoal, intransferível e divino. Pessoal e intransferível porque ninguém consegue sentir o que nós sentimos, sejam sentimentos afetivos ou físicos. Não se pode oferecer nossa dor de cabeça para que ela se doa na cabeça de outrem; o mesmo vale para o amor. Problema é que sempre afastamos os sentimentos com remédios, afazeres ou repressão. Sentir amor, daqueles verdadeiros, hoje parece algo cafona; sentir o Deus da vida, neste mundo agnóstico, é um escândalo; sentir compaixão pelo gênero humano e rogar ao Senhor da messe por ele é, para muitas pessoas, uma inutilidade. O sentimento é divino porque, quando verdadeiro, bom e belo, coincide com o próprio Deus. Ele é puro sentimento, todo doação, salvação.
Dos saberes e sabores da vida, convém mergulharmos no oceano dos sentimentos, entregando-nos ao maior deles, o Amor, e nos afogar nessa delícia divina dada para nossa excessiva humanidade. Urge sentir: dor, amor, calor e frio na cotidianeidade gelada e aquecida. Ela que escancara as portas da nossa vida. Abramos as janelas do saber saboroso, dos ventos livres da existência e façamos dos pensamentos e ações nossas constantes orações doces e sapienciais. Não com praticidade, mas com amorosidade; sem preocupações úteis, mas na alegria suave do não-pensar poético que pensa pensamentos divino-humanos, cheio de sabor e enganos. Sempre.